quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Esporte e política. O lado obscuro desta relação

No próximo sábado, 07/02, as 21:30, a ESPN Brasil transmitirá um documentário intitulado “Brasil Olímpico, uma candidatura passada a limpo”. Um programa imperdível para aqueles que querem saber o real estado do esporte no Brasil ou para aqueles interessados com a destinação de bilhões de reais de dinheiro público.
Nos últimos anos o Brasil sediou um grande evento, Jogos Pan-americanos Rio 2007, ganhou o direito de sediar outro, a Copa do Mundo de futebol em 2014 e concorre para ser a sede dos Jogos Olímpicos de 2016 através da cidade do Rio de Janeiro. A todo momento, parte da mídia vangloria-se com tais acontecimentos e o governo federal diz que abriu um novo tempo para o esporte no país.
O programa da ESPN irá mostrar o lado obscuro do esporte no Brasil que governo, dirigentes esportivos e políticos teimam em tentar apagar e que não estará no Dossiê final da candidatura do Rio às Olimpíadas, que será entregue pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e governo federal ao Comitê Olímpico Internacional (COI), no próximo dia 12 de fevereiro. Para se ter uma idéia, só com os Jogos Pan-americanos do Rio foram gastos 3,7 bilhões de reais, 1.000% a mais do que o previsto em 2003, quando as obras se iniciaram.
É necessário uma longa análise de como está sendo gerido o dinheiro público aplicado no país e os benefícios que este traz para o cidadão brasileiro. Como exemplo, de todos os complexos esportivos construídos para os Jogos Pan-americanos de 2007, em apenas um se pratica esportes atualmente, no estádio de futebol denominado “Engenhão”. Entretanto, neste quem pratica o esporte é um grande time de futebol, o Botafogo, que arrendou o estádio por um valor, digamos, simbólico comparados aos milhões de reais de dinheiro público usados na construção do estádio. O primeiro argumento usado para os milhões gastos se esvai. Os jogos não trouxeram nenhum legado para o esporte na cidade, nem bem estar social para os cidadãos do Rio.
Tal fato deveria servir de lição, mas parece que não. Para a Copa do Mundo de 2014 governadores e prefeitos dizem abertamente que irão abrir os cofres. O governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, diz que o estado gastará R$ 350 milhões para construir um estádio para a Copa do Mundo em Cuiabá. Será mais um elefante branco, o estado não tem nenhum grande time que possa levar milhares de torcedores ao estádio depois da Copa do Mundo. No Rio foram gastos R$ 240 milhões para se reformar o Maracanã, tudo dinheiro público. Passados menos de um ano, a prefeitura anuncia que o estádio será fechado novamente para ser reformado e se adequar para receber a final da Copa do Mundo. Outras centenas de milhões de reais de dinheiro público. Apenas mais dois exemplos que evidenciam os rios de dinheiro público que serão investidos para benefício privado.
Como se vê, as cifras gastas são astronômicas. Fora dos padrões internacionais. Para se ter uma idéia, o estádio de Leipzig, uma das sedes da Copa do Mundo da Alemanha saiu por R$ 240 milhões. Já o estádio de Seogwipo, erguido na Coréia para o mundial de 2002, custou R$ 203 milhões. Os indícios de que há desvios de verbas são grandes, na verdade muitos comprovados. Quem deveria fiscalizar? O Tribunal de Contas da União e os poderes executivos e legislativos das esferas municipais, estaduais e federais.
Os técnicos do TCU tentaram fazer sua parte. Mostraram irregularidades nas contas do Pan do Rio. Mas por motivos obscuros, não fez um relatório final para aprovar ou rejeitar as contas do Pan e vem se calando depois disso. No Dossiê da ESPN alguns funcionários do TCU falaram de outras tantas irregularidades, superfaturamento e desvio de dinheiro público no programa.
Fica a pergunta, de onde vem a ordem para que o TCU não faça sei papel fiscalizador e faça os relatórios?
E os políticos do executivo e legislativo das três esferas administrativas do país, principalmente a federal. Porque não tomam qualquer tipo de providência, pelo contrário incentivam tais atitudes?
A reposta só é possível quando se analisa o tipo de relação que acontece entre políticos, confederações esportivas, dirigentes esportivos, Ministério dos Esportes, partidos políticos e grandes empresas.
Desde 2003, quando Lula assumiu a presidência da república, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) comanda o Ministério dos Esportes. Hoje, o Ministério é um aglomerado de gente despreparada, um feudo jurássico do partido que o comanda. Salvo raras exceções. O próprio PC do B admite que em 2003 ninguém queria o Ministério, que coube para o menor partido da ampla coalizão de partidos que Lula e seus articuladores políticos montaram para sustentar seu governo. De lá para cá novas leis de “incentivo ao esporte”, como a que criou a Timemania, foram aprovadas, o Pan foi realizado, o Brasil “ganhou” o direito de sediar a Copa do Mundo e foi lançada a candidatura do Rio para sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Ou seja, bilhões de reais começaram a passar por este Ministério até então inexpressivo. O resultado é que o PCdoB, no seu afã de se manter na máquina pública, montou no Ministério uma ampla rede que envolve secretárias estaduais e municipais de esporte, para aparelhar o partido. Orlando Silva viajou o país, tanto para ficar conhecido, como para articular a “verticalização” entre as três esferas do poder. O resultado? Hoje o Secretário Estadual de Esportes do Paraná, da Bahia e de Pernambuco são do PC do B. Os Secretários Municipais de grandes prefeituras como Nova Iguaçu e Campinas também são do PC do B. Segundo o próprio partido, hoje tal rede abrange mais de 200 cidades no país. Qual o motivo para extraordinário crescimento? Orlando Silva assim explicou o fato ao jornal Estado de São Paulo: “tenho ouvido de muitos prefeitos essa expressão. Como a base de Lula é grande, eles preferem ter um secretário do mesmo partido do ministro. É uma questão de afinidade”. Segundo o Ministro, o crescimento de seu partido não tem nada a ver com a forma como é gestado o esporte no país. Não é o que parece quando sabemos que o PMDB começa a pleitear o Ministério, segundo o próprio Presidente Nacional do PC do B, Renato Rabelo. Como se sabe, o PMDB só comanda grandes ministérios em que possa gerir muito dinheiro público e indicar seus caciques e correligionários a muitos cargos, sustentando o partido. O Ministério dos Esportes tem verba estimada para 2009 de R$ 1,7 bilhões, embora boa parte foi contigenciada devido a atual crise econômica. Como se vê, não nenhum interesse por parte do executivo nacional para que a situação mude.
E as Confederações esportivas, como o COB, e dirigentes das mesmas, o que fazem? A equação é simples de responder. De toda a dinheirama pública recebida pelo Ministério dos Esportes, boa parte é repassada para o COB. Desta, muito pouco tem destino obrigatório. Uma parte ao desporto escolar e outra, menor, ao desporto universitário (de difíceis controles, como de resto). Toda a maior parte vai para o chamado “esporte de alto rendimento”. Quem comanda o esporte de alto rendimento no país são as Confederações, que recebem milhões do COB. Além disso, as Confederações abocanham outros tantos milhões das estatais. Os Correios patrocinam a Confederação de Desportos Aquáticos (natação); a Petrobras, a de ginástica; a Eletrobrás, o basquete; o Banco do Brasil, o vôlei, e por aí vai. Toda essa montanha de dinheiro é gasto sem qualquer prestação séria para a sociedade. Pelo contrário, sustentam o poder destes dirigentes esportivos.
Como se vê, se articula uma rede de interesses que vai desde o Ministro dos Esportes até secretários municipais de esporte. Para complementar, muitos dirigentes esportivos são também políticos ou apóiam políticos. E Confederações financiam candidaturas de políticos. O resultado disso é que além do Ministério esta rede conta com bancadas nos legislativos federais, estaduais e municipais para defender seus interesses. Assim, a CPI para investigar os gastos na Câmara do Rio de Janeiro foi abortada. A CPMI que atualmente foi criada no Congresso Nacional encaminha não dar em nada. A confiança na impunibilidade é tamanha que Carlos Arthur Nuzman abandou a CPMI. E Orlando Silva nem deu as caras. Assim, está formada o clássico jogo da “grande política” brasileira, marcada pelo patrimonialismo e, pelo interesse privado em detrimento do público e pelo enriquecimento ilícito.
Com este quadro não de se estranhar que Nuzman tenha sido reeleito no COB. Que presidentes de confederações estejam há décadas, como no basquete, a frente das mesmas.
O resultado de tudo isso é que quem realmente mereceria apoio no Brasil, os atletas dos esportes olímpicos, não o tem. Medalhistas olímpicos em Pequim, como o nadador Cesar Cíelo e a judoca Ketleyn Quadros não recebem qualquer apoio do COB ou de suas respectivas confederações. O mesmo vale para a ginasta Jader Barbosa. Só para citar alguns. Outros recebem uma bolsa que não os permite viver apenas do esporte, como os boxeadores Washigton Silva e Paulinho de Carvalho, ambos 5º lugar nas Olimpíadas de Pequim.
Se atletas olímpicos são assim tratados, o que esperar do tratamento do cidadão comum? Nada. No Brasil o Esporte não é estruturado para ser política social e de saúde para seus cidadãos. Centros Esportivos públicos são exceções. Uma política séria de inclusão esportiva articulada nacionalmente inexiste.
Enquanto isso, os bilhões de reais investidos no esporte brasileiro vão parar nas mãos de dirigentes, políticos e empresários. Este é o quadro do esporte em nosso país e que precisar ser denunciado.

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