terça-feira, 27 de março de 2012

De mãe para filho

O texto que segue abaixo foi escrito pela irmã de um companheiro de paixão verde, membro do fórum de discussão 3vv, Wagner Gimenez. Já foi publicado pelo blog do Juca hoje de manhã. Mas sem modéstia, já havia pedido autorização ao Wagner Gimenez, tio do Dante e irmão da Erika Gimenez Barbuglio, antes do Juca Kfouri postar o texto. A narrativa expressa como o futebol se mistura com outros dos grandes amores do ser humano, o filial e o maternal/paternal. Simplesmente belo!

POR ERIKA GIMENEZ BARBUGLIO*

Domingo tinha tudo para ser um dia mais que especial… e foi!

Desde o começo do ano, aquele garotinho, de uma hora para outra, passou a ser assíduo telespectador dos jogos do Palmeiras.

Não que tenha se tornado torcedor do Verdão apenas agora, isso provavelmente ele já é desde o ventre materno, palmeirense.

Como bem se sabe, filho de palmeirense quase não tem escolha, e quando é atingido pela febre verde, torna-se doente de vez.

Mas como criança, menino no auge dos seus 5 anos e alguns meses, não tinha ainda a paciência necessária para se concentrar nos 90 minutos de bola rolando, ao contrário do primo, de mesma idade, mas com outras cores no coraçãozinho.

Assim, após uma dose deliciosa e muito bem vinda de invencibilidade, com gosto de quero mais, passou a torcer, vibrar, pular, e a ter no olhar aquele brilho tão familiar, aquela febre tão verde…

Descobriu um novo ídolo, um Pirata, já que o Santo se afastara e o Mago, em retiro, buscava reinventar suas magias!

Vibrou com uma assombração aos adversários nas cobranças de falta, gritou gol no meu colo muitas e muitas vezes, fez dancinhas, girou a camisa no ar, pulando na bancada e no sofá de casa…

E deu seus primeiros passos na complicada arte dos xingamentos, sob um olhar preocupado, que alertava: “No jogo, pode… Mas só durante o jogo!”.

E ganhando esse importante aval, deliciava-se proferindo impropérios ao juiz da vez, muitas vezes nem sabendo o que dizia, me olhando de canto de olho enquanto eu, segurando o riso, ensaiava uma bronca: “Que foi, mãe ? Só no jogo… né?” .Coisa de moleque.

E coisa linda de se ver…

Antes que o politicamente correto entre em campo, eu sei que não parece certo, que os pais não devem incentivar seus filhos na arte do xingamento. Só que, para quem gosta de futebol, ou melhor, para quem ama o Palmeiras, o momento de duração de um jogo é um parêntese mágico na vida real, um instante de pura epifania…

Significa estar também em campo e, para um moleque como ele, tudo naquele espetáculo é fabuloso, são onze guerreiros, onze heróis que deveriam saber que a paixão de meninos como Dante está na ponta da chuteira, na garra de cada um, na vontade de vencer.

Cometer tais traquinagens faz parte da vida e logo mais ele dirá palavrões com os colegas, procurará seus significados no dicionário…

Por mais bobo que possa parecer isso significa amadurecer e tornar-se homem, e no que depender de mim, ele será um grande Homem, mesmo xingando o juiz durante o jogo!

Não foi o primeiro clássico da vida de Dante, outros tantos aconteceram desde o finalzinho de 2005, quando nasceu.

Mas foi um dos primeiros que ele se lembrará para o resto da vida, o primeiro assistido do início ao fim…

Com certeza, terminou sendo um dia de grande aprendiza do, de entrega, de paixão, de experimentar aquela montanha russa de emoções que significa ser palmeirense: da euforia à desolação em minutos!

Nós, pessoas grandes e crescidas, sabemos bem o que é isso, vivenciamos essa experiência tantas e tantas vezes antes. Mas ele ainda não sabia…

Em sua curta vida, estar invicto há tantos jogos era uma eternidade.Provavelmente ele não se lembrava de como era terminar um jogo derrotado.

Sentiu anteontem, no clássico, esse gosto terrivelmente amargo para um menino.

Sentiu o golpe, sofreu, chorou, se desesperou.

Como mãe, eu gostaria de ter o poder de tirar dele essa dor, de dizer que tudo aquilo era uma grande besteira, uma bobagem sem nenhum significado, apenas um jogo…

Apenas um jogo…

Mas como eu poderia dizer isso ao meu filho se eu, tantas vezes, me senti como ele?

Se eu, tantas vezes, quis gritar, chorar, quebrar coisas, e perguntar “porquê”?

Como adulta, eu jamais poderia agir dessa maneira, deixando a emoção mandar, mas ele, menino que acabara de completar seis anos, desenhando um Pirata num navio lançando de seus canhões bombas com o símbolo do Palmeiras, como poderia agir diferente?

E então, num momento catártico, deixei que ele colocasse para fora o que sentia, assistindo com muita dor meu filho sofrer, pela primeira vez, pelo Palmeiras, sofrendo junto, inutilmente. Ele estava sendo humano, demasiadamente humano, tentando reagir com diversas emoções conflitantes ao mesmo tempo.

De todas as heranças que os filhos herdam dos pais, o time do coração é questão das mais complexas.É bom ter a companhia dele na torcida e na vitória, mas vê-lo sofrer assim na derrota é muito doloroso.

Talvez fosse melhor esquecermos essa história de futebol e focarmos no que é importante da vida. Mas que graça teria?

Precisamos de ritos na vida moderna, e o futebol, embora seja comercialmente algo de potencial sem precedentes, cumpre essa tarefa.

Filho, você é um companheiro maravilhoso.

Inclusive na arquibancada…

Vê-lo cantar o hino, vê-lo torcer, receber seu abraço eufórico na comemoração do gol é algo que não tenho como descrever.

Mas saiba que em todas as derrotas que virão também estaremos juntos, íntegros, mais fortes e sábios, e aos poucos você aprenderá a lidar com elas, no campo, e, principalmente, fora dele. Eu te quero feliz, meu Principito!

Sobre o clássico perdido, só posso te dizer que a vida é assim, um dia ganhamos, no outro perdemos.

Mas, segura em minha mão, pois, permaneceremos, cantando, vibrando e ostentando a nossa fibra.

*Erika Gimenez Barbuglio é formada na Faculdade de Letras da USP e diretora de Recursos Humanos.

domingo, 4 de março de 2012

Racismo e Homofobia no esporte. Qual lição podemos aprender?

Na última quarta, 29/02, em Belo Horizonte, o jogador Wallace do Cruzeiro/Sada e da seleção brasileira de Vôlei ia para o saque contra o Vivo/Minas. Quando ele, e muitos outros no estádio, ouviram declarações racistas contra o mesmo de vários torcedores que o chamaram de "macaco". As agreções continuaram durante todo o jogo. Ao final da partida, indagado sobre o episódio, o jogador disse que quase ficou fora de controle pela humilhação que sofreu.


Casos de racismo contra esportistas são comuns na Europa, principalmente de jogadores origem/ascendência africana e sul-americana. Já no Brasil nos últimos anos vimos casos de jogares de futebol agredirem outros jogadores com palavras de cunho racista. Entretanto, a torcida proferindo palavras de cunho racista contra um esportista no Brasil, eu não me lembro de ter ocorrido. Mesmo que em um ginásio de Vôlei ser muito mais fácil de escutar uma agressão do que em um estádio de futebol. Além disso, dado o contexto mundial de aumento da xenofobia e do racismo no mundo, esse caso deve ser tratado com a maior atenção possível pela sociedade, pelos clubes de vôlei, pela CBV e pelo estado brasileiro.

Pois bem, no jogo seguinte, sábado, 03/03, o time do Wallace recebeu em Contagem o Vôlei/Futuro, que quando entrou em quadra, mostrou gestos que merecem todo destaque. Os jogadores entraram com a camisa do time sem a logomarca do patrocinador. No lugar os dizeres “VF Contra a Discriminação”. Além disso, todos os jogadores do Vôlei/Futuro estavam com o nome de Wallace, ao invés dos seus, na camisa. Para coroar, a camisa era toda preta.

Mais uma vez o time de Araçatuba teve uma atuação da mais dignas e que merece elogios. Lembremos que ano passado um jogador da equipe, Michael, sofreu agressões verbais homofóbicas em um jogo do Vôlei/Futuro contra o mesmo Cruzeiro/Sada. E a equipe tomou a causa do jogador para si, fez campanha contra a homofobia e o caso ganhou repercussão nacional, contribuindo para o debate contra a homofobia em nossa sociedade.

Agressões homofóbicas e racistas são comuns no cotidiano brasileiro e a sociedade e o estado muitas vezes não atribuem a devida atenção às mesmas. Além disso, ambas são fenômenos associados ao que o século de XX de pior legará para a humanidade, o totalitarismo/fascismo presente no indivíduo e na sociedade. Ou seja, esses casos expressam um sentimento por parte do indivíduo, ou de parte da sociedade, que considera que determinadas características suas (cor da pele e opção sexual) faça com que sejam melhores do que outras pessoas e que, por causa disso, as pessoas que não partilham de suas características perdem totalmente ou em parte sua própria humanidade.

Ganha maior destaque o fato de que em ambos os casos o ofendido foi uma pessoa considerada com um status maior pela sociedade, pois são atletas. E o agressor é um comum, um torcedor. Assim, o grau de superioridade que se atribui o sujeito é tão alto que ele agride até mesmo um atleta. Se faz isso com os mesmos, imagine o que não faz na vida cotidiana com pessoas que nossa sociedade atribui um status inferior?

Com tudo isso, quero dizer que se a homofobia chega até aos atletas, pessoas com status superior em nossa sociedade, e proferidas por torcedores é porque o nível de fascismo presente na sociedade alcança níveis preocupantes e devem ser tratados com toda seriedade pelos atletas, clubes, confederações e, principalmente, pela sociedade e pelo estado brasileiro!

Assim, a atitude do Vôlei Futuro de denunciar e apoiar os agredidos em ambos os casos merece aplausos e colocam o esporte no patamar que realmente é o seu: de uma prática cultural que mantêm intima relação com a sociedade e, que por isso, tem uma função social a desempenhar para a qual não pode virar as costas!